domingo, junho 04, 2006

Odelouca

Era uma vez um ribeiro. Corria entre montes e vales, dirigindo-se para o mar.
Já o fazia há milénios, dia após dia, hora após hora … no Inverno as suas águas eram turbulentas e apressadas, alimentadas pelas águas que desciam das montanhas sobranceiras … no Verão, corria molengão, com um fiozinho bem estreito e sonolento, quase desaparecendo entre as margens tórridas, que o comprimiam.
Os povos que viviam nas suas margens, chamavam-se José, Manel, António ou Maria … aproveitavam as suas águas e com elas matavam a sede e regavam os campos, fazendo nascer as couves e as batatas, as laranjas e o melão … que mais tarde davam origem a mais Josés, Manéis e Marias …
As terras das suas margens eram férteis, as águas eram boas e o clima ameno e agradável …
Perto da foz, quando as suas águas chegavam ao mar, a terra expandia-se em praias de areia branca e fina , numa harmonia simples e natural, velha de milhões de anos, mas sempre jovem e adorável …
Esta ribeira era chamada de Odelouca, a região era conhecida por Algarve, situada na extremidade ocidental da Europa.
Com o tempo vieram mais Josés, Manéis e Marias e com eles também os Miguéis, Paulas e Manuelas.
Mais tarde viram os Manfreds, os Walkers e os Wolfgangs … e depois os Vladimirs, os Boris e as Vioricas.
Toda a gente, queria lá viver e vieram mais e mais e mais … Fizeram casas e mais casas, estradas, vilas e cidades.
As águas da ribeira outrora abundantes e cristalinas, começaram a ser escassas e poluídas e por vezes, nos Verões mais tórridos, paravam até de correr …
Foi então que um primo do José e da Maria, que tinha ido ainda novo estudar para a grande cidade, teve uma ideia, para resolver a situação: fazer uma barragem, para conter as águas da ribeira, impedindo-as de correr até ao mar, como sempre fizera, armazenando assim água para as alturas em que elas faltavam.
O bicho homem, dizia-se o mais inteligente dos animais e decidira submeter tudo o resto aos seus desígnios, alterando a natureza a seu belo prazer, sem se importar com as consequências …
Com o primo doutor, vieram engenheiros, arquitectos e políticos, todos da grande cidade, todos engordados a sapiência e hamburgers … e numas folhas de papel, traçaram o destino da ribeira …
Mas havia um problema, para uma obra daquela grandeza era preciso dinheiro, muito dinheiro e isso eles não tinham …
Por isso pegaram em todos aqueles planos, escritos e desenhos e mandaram-nos para Bruxelas, onde viviam umas formiguinhas diligentes e trabalhadoras, que fabricavam euros, dia e noite, sem parar.
Infelizmente para eles, o José e a Maria tinham outro primo, o Zeca, que não gostava de doutores, barragens e betão e que estava determinado em impedir as formiguinhas de mandarem euros, para construir a barragem.
Para isso lembrou-se de ressuscitar o lince, uma espécie de gato selvagem, que outrora vivera nestas paragens . Foi até Espanha, onde ainda haviam alguns destes animais, recolheu umas caganitas dispersas e trouxe-as até á ribeira, espalhando-as nas suas margens, para assim provar a existência do bicho, que iria ser destruído e ameaçado, com a construção da barragem.
As formiguinhas de Bruxelas ficaram horrorizadas e não mandaram mais euros, deixando o primo doutor todo lixado e as obras da barragem paradas.
A ribeira continuava a correr até à foz, sem espartilhos, nem muros e os Manéis, Manfreds e Paulas, ficaram sem água, para lavarem os seus carrinhos, ou regarem os seu campos de golfe.
Até que um outro primo da capital, teve uma ideia brilhante, para convencer as formiguinhas de Bruxelas. Fazer um corredor ecológico de 300 kms, uma espécie de auto-estrada vegetal, com setas e mapas, para os bichos não se perderem, claro, para convidar os linces de Espanha, a virem comer uns coelhitos e umas lebres, até aqui á serra de Monchique ! Afinal de contas, se isto é bom para os Mikes, as Madonas e os Wolfgangs, virem passar umas férias, porque é que não há de ser também, para os linces ?

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E, tal como em Odelouca, em Trás os Montes o Estado e os governantes também deitam borda fora dinheiro público (sim, porque qualquer estudo ou projecto custam-nos dinheiro a todos, seja de uma barragem, seja de uma estrada)), dinheiro nosso, de forma ostensiva e provocadora, sobretudo se considerarmos que estamos numa das zonas menos favorecidas de Portugal onde a pobreza se vê e sente!...Não me venham falar em diminuições da despesa quando a má coordenação dos projectos, independentemente da razão que os ambientalistas possam ter, permite aberrações como esta que dão vontade de não pagar mais um tostão de impostos.
Como relata o jornalista Rui Pego no DN há dias.
“Sete lobos ibéricos, reunidos em alcateia, com domicílio no concelho de Vila Pouca de Aguiar, obrigaram à construção de um viaduto e alterações na ligação entre Viseu e Chaves, dado o facto de o traçado se intrometer no percurso que os estimados exemplares têm o hábito de fazer. A delicadeza custa entre 100 e 150 milhões de euros. Qualquer coisa como 15 milhões por lobo, mais euro, menos euro”.
O Estado vai gastar então 15 milhões de euros por cada um dos sete lobos de Vila Pouca. O mesmo Estado que não gasta um cêntimo, porque diz que não tem, quando é preciso fazer uma estrada ou um pequeno posto de saúde, ou uma obra de saneamento para servir 70 pessoas em tantas Vilas Poucas deste país…
Claro que lobos são lobos, não podem entrar em “sress”, não se podem enervar, devem ter uma excelente qualidade de vida, o Estado fez-se para eles, como se fez para os morcegos de Sicó, para os linces de Odelouca e para tantas outras excelentes criaturas...
Mas há Governo neste país que possa explicar esta loucura? E temos nós que a suportar?
Dá vontade de mandar o Ministério do Ambiente e os ambientalistas à merda...

5/6/06 10:28  
Anonymous Anónimo said...

Mais ainda - e isto para continuar com a minha onda de mal-dizente profissional, he he (rio-me, mas sem grande vontade de rir, 0porque o meu País cada vez me entristece mais) MAS JORNALISTAS EM PORTUGAL? ONDE? Nas conferências de imprensa da selecção, se calhar... nesta futebolândia fatela da sobrevalorizada selecção paga com os impostos daqueles que qualquerdia serão supranumerários ou dos outros para quem um emprego seguro é uma miragem de contos antigos... Quando os jornalistas, acagaçados com o Scolari, se desfazem em desculpas antes de perguntar coisas incómodas como, por exemplo, se o Maniche não estará em baixo de forma e se deveria estar presente no Mundial (no qual a selecção foi escolhida pelo grau de amizade existente entre jogadores e o "mister").
Na TSF, por outro lado, repetem-me até à exaustão que bandos armados de delinquentes lançam o pânico nas ruas de Díli: longe vão os tempos parisienses da procura das causas da violência, das entrevistas a sociólogos e activistas, das reportagens de investigação feitas pela própria rádio.
E percebe-se cada vez melhor a predilecção de alguns (e algumas) jornalistas pelas colunas de opinião, pela fofoca política e pelo jornalismo de causas (sem objectividade nenhuma). Parvos e parvas é que eles não são, neste País de lambe cús merdosos sem princípios nenhuns.
Quem tiver os melhores padrinhos, o melhor e mais simpático aspecto e levantar menos ondas ganha... pelo menos, ganham maiores possibilidades de ganhar guito... Coisa que os gajos sérios e que não aderem a estas "modas ideológicas" não ganham, por pensarem com a própria cabeça e não serem tão manipuláveis ou vendáveis...
Desculpem-me a linguagem, mas puta que pariu isto tudo que, apesar da conversa, não está muito melhor do que no tempo do fascismo... Podem-se dizer as coisas, mas dizê-las nada muda...

5/6/06 15:20  
Anonymous Anónimo said...

É como o Alqueva, que durante décadas foi exigido como sendo a resolução de todos os problemas de seca no Alentejo. E acabou por ser feita, a maior barragem da Europa, o maior investimento público de sempre. Era ministro do Ambiente o Eng. José Sócrates, que anunciou solenemente o Plano de Ordenamento do Alqueva, onde ficou estipulado que a componente turística ficava limitada a 480 camas. Agora, quatro anos depois, descobre-se que se tratou de uma encenação, de um embuste. Primeiro foram os agricultores que desataram a vender as terras aos espanhóis, porque não tinham capacidade técnica para fazer agricultura de regadio; depois foram os autarcas que começaram a dizer que estava ali aquela riqueza todas desaproveitada; depois foi o mega-projecto turístico do Grupo Esporão, tão grande que foi logo classificado de "interesse nacional". Agora, finalmente, chegam as notícias que se esperavam: O Plano de Ordenamento está em revisão, e em vez das 480 camas previstas, vão ser licenciadas 22.500 (para já), mais uns quantos campos de golfe, marinas, etc. Resta um problema ético, ou de seriedade política, a que alguém terá de responder. O caso é que os contribuintes foram chamados a co-financiar o maior investimento público de sempre, porque lhes foi dito que, em obediência a um princípio de solidariedade nacional, havia que dar água e viabilidade agrícola ao Alentejo. Mas afinal, descobre-se que que não: que a melhor solução para o Alqueva é continuarmos a comer alfaces espanholas e vender golfe aos ingleses. Seja. Mas enquanto que os contribuintes têm razões para sentirem que pagaram uma falsa necessidade pública, outros haverá, muito poucos, que vão fazer fortuna à conta do seu investimento: os proprietários das terras e os investidores turísticos. Sem o Alqueva, eles não estariam minimamente interessados em investir lá, e sem o esforço dos contribuintes, não haveria Alqueva. Isto significa, em termos práticos, que, através da mediação do Estado, o dinheiro de muitos vai ser transferido para o bolso de muito poucos.Há muitos palavrões jurídicos para definir isto: desvio de poder, simulação de negócio, fraude, privatização gratuita de bem público, abuso de confiança, etc, etc. Ver Miguel Sousa Tavares - Expresso - 10 Junho de 2006

12/6/06 15:14  

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