sexta-feira, março 03, 2006

Estranha aliança

Tinha prometido que não voltaria a falar deste tema dos Cartoons.
Não posso no entanto deixar de chamar a atenção para uma estranha aliança, que se gerou entre uma Direita, muito ciosa da superioridade rácica e moral do Ocidente, cristão e uma certa Esquerda, que tem defendido os ditos Cartoons.
Interrogo-me acerca de como se sentirão algumas pessoas que eu conheço, ao verem-se desta vez do mesmo lado da barricada, dos betinhos do CDS, dos nazis da extrema direita inglesa e dos fanáticos franceses do Sr. Le Pen.
Será que isso não lhes dará uma certa volta ao estomago ? ... ou estes conceitos de Direita e Esquerda, perderam actualidade e pertencem ao passado (tal como o conceito de proletariado) ...
Espero que os meus leitores respondam a esta provocaçãozita e dêm aqui a sua opinião ...

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Amigo João
Eu não sei de aliança nenhuma nem acredito em nenhuma superioridade moral do Ocidente e, para mim, o conceito de "raça" só serve para falar de cães ou cavalos. Tampouco me sinto no mesmo lado da barricada dos fundamentalistas cristãos, nazis e quejandos, ou de qualquer certa ou incerta esquerda. O que acho deprimente nesta polémica (?) prende-se com a prontidão com que a direita saiu a terreno armada em defensora das liberdades (eles já não se devem lembrar de qundo o Cruz Abecassis foi com um bando de arruaceiros do CDS destruir a sala da Cinemateca e bater nos cidadãos que se preparavam para a estreia do Je Vous Salue Marie, do Godard); e, pior ainda, a prontidão com que uma certa (ou incerta) esquerda veio defender que se devia "respeitar" as outras culturas (isto, sinceramente, dá-me vontade de rir), empenhadíssimos todos em definir as fronteiras da liberdade de expressão, para evitar deitar gasolina no fogo que uns fascistazecos dinamarqueses atearam. Pois isto é que eu acho verdadeiramente ofensivo, achar que a liberdade de expressão se deve vergar aos ditames da lei corânica - como se já não bastassem as limitações internas aos universos ideológicos europeus (veja-se o caso daqueles que julgam que a liberdade de expressão é poder insultar publicamente um cidadão e a sua família...), ainda teríamos agora que atender às exigências de "respeito" impostas pelos integristas islâmicos. E não vi ninguém nesta "esquerda" a condenar o papel da nojenta dinastia saudita neste processo. Parece, ao contrário, que acharam muito natural andarem aí todos os ministros dos negócios estrangeiros, todos os governos europeus a pedir desculpa...
Decididamente, a Europa tem falta de carácter, e é isso que me preocupa e que me inquieta.
Por fim, todo o bom bombeiro sabe que, frequentemente, os piores incêndios se combatem com fogo - ou melhor, com contrafogo.
C. Marley

3/3/06 22:37  
Anonymous Anónimo said...

Amigo João
O distinto sociólogo Boaventura Sousa Santos, publicou na Visão de 2 de Março um texto que te deve agradar, pois creio que expressa bem a tua posição. Diz ele, depois de se referir ao assassinato da Gis (o transsexual sem abrigo do Porto) e ao de um chefe indígena brasileiro que dormia numa paragem de autocarro, o seguinte:
«Que há de comum entre estes dois casos de violência gratuita e as caricaturas dinamarquesas? A mesma incapacidade de reconhecer o outro como igual, a mesma degradação do outro ao ponto de o transformar num objecto sobre o qual se pode exercer a liberdade e o gozo
sem limites, a mesma conversão do outro num inimigo perturbador mas frágil que se pode abater com economia das regras da civilidade, sejam elas as que governam a paz ou as que governam a guerra.»
Ainda bem, pois, que ainda há liberdade de expressão - não para eu insultar o Boaventura por dizer tamanha barbaridade, mas para dizer simplesmente que esta comparação é, do meu ponto de vista, absolutamente chocante. Mas, provavelmente, a tua leitura é substancialmente diferente. Creio que não verás aqui o mesmo que eu...
Um abraço
C. Marley

6/3/06 23:27  
Blogger Unknown said...

Concordo com o que diz o Boaventura Sousa Santos.
É curioso que li no outro dia algo sobre o caso da morte do sem abrigo, que me fez pensar bastante.
O artigo começava por descrever o quotidiano de alguns jovens de 13,14 anos, residentes em bairros degradados do Porto. Abandonada que foi a Escola (o recreio era fixe, mas as aulas uma merda) os seus dias ocupavam-se a roubar carteiras e telemóveis e tinham como especial devertimento o espancamento dos ressacados (toxicodependentes em último grau, que afluiam ao bairro em busca de mais uma dose). Batiam-lhes selváticamente em grupo e roubavam-lhes o pouco que tivessem e sentiam prazer nisso.
A assistente social entrevistada explicava estes comportamentos chocantes pela Teoria do espelho. Passo a explicar: estes jovens odiavam e agrediam os toxicodependentes, porque viam neles uma imagem do seu futuro !!!
Viam neles ,aquilo que eles provávelmente virão a ser daqui por mais alguns anos e isso perturbava-os profundamente e desencandeava toda aquela agressividade gratuita ...
Que sentirá um arábe, pouco instruido e humilhado, ao ver na tv as imagens dos prisioneiros de Abu Graib, ou dos espancamentos dos soldados ingleses (libertadores!) sobre os adolescentes de Bassorá ?
Que sentirá um judeu ao ver espalhado pela rua os restos de corpos mutilados, por mais um sangrento atentado ?
Que sentiria um nosso antepassado, ao ver a mãe ou algum familiar, acusada de bruxa, a arder na fogueira da inquisição ?
O espelho em que nos observamos todas as manhãns, pode-nos transmitir calma ou ódio, alegria ou revolta. O problema está lá fora, mas também perfeitamente dentro de nós ...
E a nossa mente é como um cavalo de corrida, que precisa de ser domado ... antes que tome o freio nos dentes e desate para aí a fazer disparates .
Um abraço Chico.

7/3/06 00:39  
Anonymous Anónimo said...

Amigo João
Na óptica do Boaventura, caricaturar o profeta maomé - e, por inerência, caricaturar qualquer profeta ou padre ou quejando - é, portanto, algo susceptível de ser interpretado no plano do crime violento, a par com os assassínios daqueles desgraçados de que nos falou a imprensa. Custa-me imenso entender isto. Parece-me, até, que esta posição é um verdadeiro fenómeno sociológico - da mesma ordem, aliás, daquele que leva cidadãos cultos e respeitáveis a defender que os drogados deviam ser todos condenados e encerrados em prisões e tratados compulsivamente, incluindo aqui, claro, os utilizadores de qualquer substância ilícita. Ou seja: nesta óptica, um sociólogo como o Boaventura poderia muito bem estar a defender um argumento no qual dissesse que o adolescente que fuma um charro ou mete uma pastilha e o cadastrado que assalta uma bomba de gasolina são fenómenos que revelam algo de comum entre eles e que se devem a uma mesma negação da lei e do respeito que a ela todos devem.
Surpreende-me, também, que tantos daqueles políticos, à esquerda e à direita, que prontamente se dispõem a restringir a liberdade de expressão e que condenaram a publicação dos cartoons (entretanto, apareceram já em centenas e centenas de jornais europeus, por toda a largura do espectro político)sejam pessoas que apoiaram a intervenção americana no Iraque e que acham que os israelitas têm direito a roubar legalmente o que nunca lhes pertenceu. Os críticos dos cartoons, meu amigo, são os piores inimigos dos árabes, por serem justamente, os que pactuam e cedem com as exigências do integrismo islâmico que prolifera. Isto não é diálogo de civilizações nem tampouco respeito pelas outras culturas. Longe disso. Parece, antes, uma forma invertida de etnocentrismo que visa, afinal, restaurar a privilegiada intocabilidade da padralhada at home and abroad. Daqueles que estão sempre prontos a condenar o exercício das liberdades alheias, seja de interromper a gravidez, de fumar um charro, de casar com uma pessoa do mesmo sexo, de não revelar a fonte de determinado artigo, de satirizar os poderosos, etc...
Intriga-me também a natureza mediatizada da inversão que se opera quando continuamos recorrentemente a colocar os assassinos no papel de vítimas, sem sequer uma palavra para a verdadeira vítima, de quem a imprensa nem sequer publicou uma fotografia, com receio de lhe reconhecer alguma humanidade por detrás do cabelo loiro e do rosto de mulher bonita...
Um abraço
C. Marley

7/3/06 11:25  
Anonymous Anónimo said...

"A essência da matemática é a liberdade"

7/3/06 20:08  

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